Porque criei o Ao Dispor
Uma realidade que dói
Não aguentava mais ver o que a crise faz às pessoas. A crise não é um tema técnico para políticos e comentadores políticos falarem como se soubessem do que falam para conquistar votos de desespero. A crise é um problema que existe mesmo. A crise não é um problema ideológico — é um problema humano.
Vejo os portugueses a quererem emigar, como se fosse a sua salvação. É um cenário cruel, quando até políticos parecem desistir e nos dizem para emigrar, e quando os centros de emprego e todos esses gabinetes de inserção profissional de Portugal nos dizem como encontrar emprego lá fora, sem que ninguém pense como dói ter de abandonar família, amigos, e até as coisas lá de casa — porque até as coisas deixam saudades.
E quando alguém consegue juntar algum dinheiro para sair (porque até para emigrar é preciso dinheiro) encontram um ambiente hostil, às vezes em trabalhos precários, a ter de trabalhar mais horas do que uma pessoa devia, a ser maltratado por entidades que exploram os emigrantes, vítimas de discriminação; talvez a ganhar mais dinheiro do que em Portugal sim, mas a aguentar a pena de um crime que não cometeu — no exílio, no degredo — à espera de juntar o suficiente para que possa voltar, um dia, a casa.
Quem não consegue sair, fica cá a trabalhar em qualquer coisa, quando consegue arranjar essa qualquer coisa, não a fazer o que gosta ou o que sabe ou o que tem experiência, mas no que se arranjar. E não bastando isso, ainda por cima ganhando muito mal mas crendo que já deveria estar muito grato pelo pouco que recebe, porque a crise parece ter feito vir ao de cima oportunistas que exploram o trabalho dos outros — oportunistas agora de maior folga para serem más pessoas e sujeitarem os profissionais às maiores indignidades sempre com a mesma justificação:
«Se não estiveres bem, vai-te embora. Há outras pessoas a querer o teu lugar.»
Há até pessoas, de todas as idades, fechadas em casa, à espera, à espera duma vaga, duma oportunidade, enquanto os anos passam, e o desânimo e a melancolia e a depressão passam a ocupar o tempo do treino, da formação, da experiência. Tempo que nunca volta, significado que se perde numa vida adiada; num tempo perdido, uma vida perdida.
Isto não está certo.
Um modelo antiquado
Da história do trabalho encontramos um padrão em comum: os profissionais estão sempre em desvantagem.
Antigamente, na Era Feudal, o povo trabalhava para os senhores das terras.
Depois, com a invenção da máquina a vapor, começa a Era Industrial, e os operários passaram a trabalhar em fábricas para os industriais.
Finalmente, recentemente, com a Era Empresarial, os profissionais passaram a trabalhar em escritório para as empresas.
Estão a ver o padrão? O modelo tem sido sempre o mesmo: muitas pessoas trabalham para poucos, e esses poucos recebem o dinheiro de muitos (os clientes) para dar pouco aos seus muitos trabalhadores.
O seu bonito curriculum vitæ ficará em arquivo
A convenção actual é ensinar os profissionais a aperfeiçoarem os seus CV de tal modo, colocando a posição que deseja no topo, tendo cuidado em ver se tem gralhas, imprimir em bom papel, enviar num envelope A4 para não o dobrar, juntar uma carta de apresentação bem redigida (uma carta única por empresa!) onde se mostra a história pessoal do candidato e do valor que pode dar à empresa…
… que quando é recebido pela empresa, vai directo para o caixote do lixo.
Normalmente vai para o lixo sem resposta nenhuma, outras vezes (raras!) com um consolo:
«Neste momento não temos vagas, mas manteremos o seu CV em arquivo para o caso de surgirem oportunidades no futuro»
As leis do mercado valem para os profissionais
Por haver mais profissionais que entidades patronais, estes desvalorizam-se pelo mero princípio da oferta e da procura.
As empresas não o aceitam não por maldade, mas porque simplesmente há mais pessoas que empresas. Nem sequer há tempo nem disponibilidade para responder às milhares de candidaturas antes de as deitar ao lixo. É um problema puramente numérico.
O trabalho por conta de outrém não é apenas um modelo obsoleto, mas é um modelo que faz com que nunca nenhum profissional atinja o seu potencial. Infelizmente, irá competir contra outros profissionais pelo jogo do preço mais baixo.
Isto não está certo: as pessoas não são produtos em concorrência pelo menor valor de mercado.
Como se isso não bastasse, o preço está actualmente tão baixo, que os profissionais dão por si a mendigar uma oportunidade a troco de nada. Depois de semanas a chorar por uma entrevista de emprego: um estágio não remunerado, um tempo que nunca mais acaba de trabalho à experiência. No máximo, um ordenado mínimo.
Uma desgraça, este trabalho por conta de outrém, que mais parece escravatura que trabalho, que mais parece uma indignidade que a expressão dum talento de vida.
Trabalhando por contra própria
Por exemplo: um psicólogo e uma enfermeira estão desempregados. No entanto, poderiam exercer directamente em contacto com o cliente, indo o cliente a casa deles, ou eles a casa dos clientes. Outras profissões podem perfeitamente ser exercidas em espaços públicos, como um café (explicações) ou um jardim público (aulas de tai chi, ou de treino físico). Um tradutor, só para dar mais um exemplo, pode fazer traduções pela Internet. Nenhuma destas pessoas precisa duma empresa nem para servir de intermediário nem para sequer para servir de espaço físico de actividade profissional.
O trabalho por conta própria é imensamente gratificante, mas sofre duma dificuldade: o problema em encontrar clientes.
Este papel foi-me deixado na minha caixa de correio. Tenho uma profunda admiração pela iniciativa deste senhor. Perante a dificuldade de encontrar uma carteira de clientes, e mesmo à falta de recursos como uma impressora, pegou num comum caderno de linhas e, com uma esferográfica, escreveu o que pode fazer pelo cliente e como o contactar. Dividiu a folha em várias partes, e pelas ruas do Porto foi deixando este papel nas caixas de correio.
Aqui reside o problema: um profissional pode singrar em conta própria se e só se obtiver publicidade para os seus serviços.
Deixar papelinhos em caixas de correio, em painéis de cortiça dos supermercados, em classificados de jornais são boa ideia, mas infelizmente não são escaláveis.
Pense na última vez que precisou dum profissional, por exemplo, para uma intervenção no seu domicílio. Se fosse antigamente, iria perguntar a vizinhos por uma recomendação. Hoje, como vivemos em cidades onde não os conhecemos, lembramo-nos logo de ir à Internet procurar o que precisamos.
Só que a maior parte dos profissionais não está na Internet. Num mundo onde a economia é digital, quem não está na Internet é invisível.
Um sítio para profissionais
Foi por isso que fundei o Ao Dispor. É uma casa gratuita para profissionais — não cobramos dinheiro nenhum, não cobramos comissões, não cobramos créditos, não cobramos nada a ninguém! É tudo grátis— , e é um sítio onde os clientes poderão encontrar quem precisam para resolver problemas.
O Ao Dispor é um motor de busca para profissionais. Fica à criatividade dos clientes procurar por profissionais para resolver as suas necessidades, ou as suas iniciativas. Por exemplo, com o Ao Dispor, poderá procurar por motoristas particulares, quer para uma excentricidade (ter um chauffer como se fosse um diplomata por um dia), quer para resolver problemas reais, como ter de levar um familiar a consultas no hospital.
O funcionamento é muito simples. Procura o profissional que deseja, e conversa com quem lhe pareça o melhor para si.
E a vantagem de tudo isto é que os clientes não precisam de conhecer o Ao Dispor para encontrarem os profissionais. Um profissional será encontrado pelo texto que escrever no Ao Dispor nos resultados do Google. Duplamente eficaz, esta presença na Internet.
Trabalhar é viver
Os humanos dedicam a maior parte da sua vida ao trabalho. Preparam-se na escola para uma formação para exercer uma profissão. Passam quase toda a vida a trabalhar, quase todo o dia acordado em actividades relacionadas com o trabalho. É por isso completamente natural que uma pessoa se identifique com o seu trabalho, e que (fora o dinheiro) obtenha prazer pelo exercício do que sabe fazer e gosta de fazer.
Sei que nem toda a gente tem actividades que possam ser exercidas por conta própria (mas também sei que muitas podem, mesmo que convencionalmente achem que não), e que o Ao Dispor não será a solução para toda a gente. Mas pode ser um complemento, e pode vir a ser uma ajuda para uma sociedade que parte para trabalhar lá para fora, quando cá dentro se calhar poderia trabalhar. Pode ajudar, e se ajudar alguém, sei que tudo isto terá valido a pena.
É que trabalhar por conta de outrém é muitas vezes trabalhar no que se arranja. É importante ganhar dinheiro, mas a felicidade também é importante.
Com o trabalho por conta própria com o potencial de encontrar como clientes todas as pessoas com Internet, torna-se possível uma pessoa apresentar-se não naquilo que faz para ganhar dinheiro, mas com aquilo que é o seu talento e o seu gosto em fazer — que é, no fundo, o seu gosto de vida.
Poderá em vez de trabalhar num escritório duma empresa, dar aulas dum instrumento de música, ser piloto de drones profissional, ensinar a sua língua nativa, ser treinador de xadrez, personal trainer ao domicílio (já não precisa de trabalhar para um grande ginásio), são tantas, tantas, tantas as possibilidades, que deixo o futuro do Ao Dispor, e de cada um dos profissionais (talvez o seu futuro) à sua imaginação.